Gostaram um do outro quase que imediatamente. Assim, sem explicação. Nunca se apaixonaram: um dia, descobriram que se amavam. Foi como se tivessem pegado um atalho entre o desconhecer e o conhecer plenamente, sem passar pelo caminho espinhoso da paixão. Amavam-se, simplesmente. E era bom.
Nunca se beijaram.
Sabiam que se se beijassem iriam fazer sexo, e que se fizessem sexo iriam fazer mais sexo, e que então, antes mesmo de se darem conta do rumo que as coisas estavam tomando, acabariam instalando burocraticamente aquele amor num apartamento de seis cômodos ali no Butantã, perto do trabalho deles e da família dela.
Aquele amor solto, intenso e imenso teria de se espremer para caber entre as contas a serem pagas, a preocupação com o aluguel, a exaustão depois do expediente e a embalagem de soda cáustica – porque, afinal, às vezes o vaso sanitário precisa ser desentupido.
Aquele amor delicado, poupado até da dor da paixão, teria de se virar para não ser pisoteado pelo barulho do vizinho de cima, pelo bebê chorando no quarto ao lado, por todas as noites mal dormidas, as taças não brindadas, o dinheiro que não caía na conta, o tempo que sempre faltava, as discussões de um casal irritado por nada, os defeitos que iam se tornando mais e mais defeituosos, a voz do narrador de futebol falando na TV na tarde triste de um domingo qualquer.
Foi por isso que não se beijaram.
Apenas se amaram, amaram-se como nunca haviam amado ninguém, e resolveram preservar aquele amor. Despediram-se e foram viver a vida sem o outro, deixando, gentilmente, aquele enorme amor intacto, muito bem guardado dentro de cada um deles.
Me lembrou Past Lives <3
Muito, repito, muito bom!