Eu estava sentada no sofá, desprevenida, quando percebi que ela foi chegando, se aproximando devagarzinho, até que se acomodou e me abraçou. Não sei se você tem isso, talvez todos nós tenhamos, uns mais, uns menos – essa companhia inesperada de uma tristeza que vem sem avisar, sem querer saber dos planos para aquele dia.
Eu me lembro de quando era criança e vinha essa tristeza, essa visita sempre muito repentina, que me parecia na época tão externa a mim. Eu estava brincando, contente, e chegava essa penetra, essa intrometida, sempre sem avisar. Também não avisava quando ia embora, de modo que eu me sentia perdida, refém de um estado de espírito todo modificado e aleatório, pois não havia sido precedido por um fato triste, não tinha acontecido nada. Ou tinha e eu não havia percebido? De qualquer forma, quando a tristeza sem motivo vinha, meu ânimo, minha vontade iam embora, e o jeito era aceitar.
Tristeza sem motivo. Passei a aceitar sem reclamar, sem pensar nisso, e depois tentando esconder dos meus pais. Só minha mãe me notava pequena com aquela tristeza quieta, e corria para me distrair, às vezes rezava. Nós duas adultas, ela me contou que se preocupava com minha tristeza sem motivo, que não gostava do meu semblante nessas horas, que criança pequena se aborrece, mas não pode ficar triste. Tristeza sem motivo. Adulta, eu poderia até tentar encontrar motivos para tentar explicá-la – a tristeza sem motivo aparece quando sentimos os nossos traumas? A própria chegada aqui no mundo já foi traumática? A tristeza sem motivo aparece porque o mundo é (também) triste? E quando menos esperamos sentimos o peso da tristeza do mundo? Será?
Um dia, alguém apareceu na minha vida com a palavra “ciclotímica”. Sei lá. Fui mais com a cara quando me falaram em “catarrinho ontológico”. Cioran. Sei que quando adolescente eu tentava fugir, correr, tentar acabar com aquilo de algum modo torto, agressivo, autoagressivo. Mais tarde voltei a aceitar, como na infância. Se a tristeza sem motivo me abraça, eu a abraço de volta, decidi. A visita não me pegaria mais tão desprevenida. Abraço, torcendo para que o encontro seja breve. Abraço e já parece que o encontro será mais breve.
A tristeza sem motivo é interessante. É bem diferente da tristeza com motivo. Minhas tristezas com motivo, sempre tentei tratá-las com raciocínio. Pode ser vício, cálculo, pretensão. Mas tento e, muitas vezes, funciona. Vou ler sobre o assunto, estudo, tiro conclusões. Se estou triste porque algum plano não deu certo, me convenço com argumentos de que foi melhor assim. Se, definitivamente, não foi melhor assim, faço um esforço para relativizar a questão. Humilho minha questão pessoal, colocando na frente dela os problemas do mundo ou a dimensão do espaço sideral. Envergonho minha questão, esfregando na cara dela a finitude, a dela, a minha. Decido que vale a pena viver e vou fazer outra coisa. Forço um duelo entre minha razão e meus sentimentos. Às vezes, leva tempo, mas a razão ganha. Os meus sentimentos são intensos, mas passam. A razão é mais suave, mas fica. E lá estou eu, mais neutra, mais pragmática, ativa, ou até alegre de novo, alegria muitas vezes conquistada à força. Aprendi que existe a alegria espontânea das crianças e a alegria que é fruto de um esforço, ou de uma vontade esforçada de vida.
De qualquer forma, com a tristeza sem motivo, esse método não funciona.
Não há espaço para duelos entre razão e emoção. Não há argumento que intimide uma tristeza tão pura, tão desconectada de raciocínios. Ela é tão distante de qualquer pensamento que não o entenderia, ela não se encaixa em pensamentos, não que ela ria deles, ela nem os enxerga. Se tento argumentar, ela não me responde de volta. Se insisto, ela me abraça mais forte, me aperta, tenta me machucar. Melhor não competir. Melhor, nessas horas, deixar a hora para ela. Porque qualquer palavra é inútil, qualquer racionalização é cansativa e boba, e o tempo, afinal de contas, vai passar, e ela vai acabar indo embora, sem dizer a que veio, sem explicar se foi motivada por nada ou por todas as coisas juntas.
Lá pelos meus vinte e tantos anos, notei que a minha tristeza sem motivo aprecia chá quente.
Ela ignora qualquer argumento, não se deixa distrair facilmente por livros e filmes, ela não entende as coisas, não cabe no mundo, não é feita de matéria mundana, mas se amansa com uma boa xícara de chá quente. Não cappuccino ou café: chá. Não sei a sua tristeza sem motivo, mas a minha sim. Hortelã. Gengibre. Jasmim. Capim limão. Chá preto. Chá verde. Um pouco de açúcar. Mel.
Minha tristeza sem motivo também se acalma com abraços. É receptiva a leituras leves, como um gibi. Nas fases mais críticas, deixo Luluzinhas espalhadas pela casa. Minha tristeza sem motivo gosta de sol, de ar fresco. De ficar próxima à natureza – perto do mar, de um rio, uma montanha. Nada disso a dissolve. Não procuro enganá-la, já sei que ela não se engana: apenas providencio coisas e paisagens para a melhor visita possível. Ela continua com seu jeito cortante, mas parece que sua voz ganha certa suavidade, certa gratidão, até. Depois de algum tempo, nos soltamos do abraço, nos despedimos, ela vai embora, eu fico.
E fico bem, no fim das contas.
Minha tristeza sem motivo gosta de ficar no sol com minhas cachorras, de sentir o cheiro das plantas após regá-las, de reler livros e reassistir Gilmore Girls porque traz consigo a segurança do conhecido, de pão de queijo, chá de limão da Twinings, ouvir músicas melancólicas e repletas de significado, de no final de semana fazer uma limpeza no quarto, trocar a roupa de cama, toalha e no final do dia tomar um banho, lavar o cabelo, colocar um pijama confortável, ligar o aromatizador com essência de capim-limão no quarto e ficar quietinha só existindo, tentando não pensar demais.
Que coisa mais linda e singela <3