– Só porque ele te faz rir, não significa que ele vai ser um bom pai – ela me disse, e parte de mim viu muito sentido no que ela estava dizendo, mas outra parte não só discordou totalmente como deu um tapa na parte que tinha visto sentido.
Estávamos na cozinha do apartamento onde eu morava na época, um apartamento que seria gracioso se não estivesse muito bagunçado e um pouco sujo. Eu tinha decidido trabalhar com o que amava e por isso estava sem dinheiro para pagar uma faxineira. Eu era capaz de manter minha casa em ordem eu mesma, certo? Errado, mas era assim que eu insistia em pensar, e por causa disso uma casa que um dia tinha sido charmosa ia ficando a cada dia mais xexelenta.
– Só porque ele é divertido, espirituoso, bom de cama e uma boa companhia para comer pizza e ir ao cinema, isso não significa que ele será um bom pai. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, você entende? – minha amiga continuou tentando me abrir os olhos enquanto esperávamos nossos mistos quentes ficarem prontos na sanduicheira elétrica, que, aliás, estava bem suja e por isso eu tinha forrado com papel alumínio. Bom, e daí que a sanduicheira está suja? O papel alumínio está aí para isso e o que importa é que eu me sinto viva, viva como há muito tempo eu não me sentia. – Tenho a forte sensação de que você não entende o que eu estou falando – ela continuou.
Eu não entendia mesmo. Naquela época, o reino da fantasia tinha uma força descomunal de me arrancar para fora dos fatos, custasse o que custasse. Eu não conhecia o cara direito, e tentava me defender das coisas que eu começava a ver sobre ele que não me agradavam. Eu me sentia em êxtase quando estávamos juntos, a palavra é essa, êxtase, mas eu também começava a desconfiar que ele era bem egoísta, mimado, insensível, embora, claro, também tivesse muitas qualidades – todas superficiais e a maioria de cunho sexual. Eu o adorava e me sentia adorada, e todo o meu foco estava nisso. Quantos caras eu já havia adorado e que hoje me despertavam apenas raiva ou mesmo desprezo? Sim, eu sabia, adorar alguém não significa muita coisa para além de um deleite, ah, mas que deleite prazeroso, que superioridade existencial em relação às sensações ordinárias, ora, me deixe ser adorada, me deixe adorar e ter minha vida guiada por isso... Sim, eu via as inconsistências e os problemas todos, mas eu via por dois, três segundos, e na sequência era como se eu nunca tivesse visto: o desagradável logo se transformava em uma paisagem tristonha que ficava para trás do meu carro conversível em movimento. Era como se eu tivesse amordaçado a minha parte mais sábia. Eu simplesmente não prestava atenção nos pensamentos e intuições que contrariavam minhas vontades mais frenéticas, mais dançantes: eu era uma alegre negacionista emocional.
Botei num pratinho os nossos sanduíches fumegantes, peguei duas xícaras e a garrafa térmica com o café recém passado.
– A gente está usando camisinha – informei com convicção.
– Vocês não usam direito.
– Como você sabe disso?
– Você mesma me providenciou os detalhes.
– Exagerei – ah, a minha parte sábia já totalmente amordaçada.
– Não tinha aula de educação sexual na sua escola? Aqueles espermatozoides que vêm antes da ejaculação já são capazes de engravidar.
– Eu sei. Mas não é isso que me preocupa – eu disse de repente, nem um pouco preocupada. – Tenho uma confissão a fazer. Ontem a gente acabou indo até o final.
Ela me olha incrédula. Fiquei orgulhosa do choque que causei, como se a minha vida não fosse real, como se fosse um filme que eu oferecia aos outros para se entreterem e eu não pudesse me dar mal de verdade.
– Até o final sem?
– Até o final sem. Mas não estou no meu período fértil. Eu acho.
– Você quer engravidar. Vocês estão juntos há dois meses, você está apaixonada e quer engravidar dele.
– Eu não quero! Tem muita coisa que eu quero fazer antes de ser mãe.
– O seu inconsciente quer. Os seus hormônios. A natureza quer que você procrie e você está se deixando levar...
– Bem, se for isso... É a natureza, não? Vou discutir com a natureza?
– Querida, não é a natureza que vai perder as noites de sono cuidando do bebê, é você mesma. Me escuta, por favor. Não é o momento de ser mãe, você não quer isso. Você se imagina sendo mãe solo? Porque eu não acho que esse cara vai arcar com as responsabilidades, não dá para contar com isso. Você quer engravidar? Se você quiser, eu te apoio. Mas você quer?
– Não – respondo, séria. Termino meu sanduíche pensativa. Ela estragou tudo. Estou triste. Não queria ter que pensar em nada disso. Queria que ele me amasse. Acho que ele me ama. Sei que ele não me ama. E quer saber? Eu não o amo. Como poderia amá-lo? Mas eu o quero tanto...
– Que dia vocês transaram, ontem? Vamos na farmácia comprar uma pílula do dia seguinte, vamos agora – ela se levanta.
– Não! Aquilo é uma bomba de hormônio. E foi anteontem, já era. E quais as chances de eu realmente ter engravidado, sério? As pessoas passam anos tentando engravidar. Vou tomar mais cuidado a partir de agora. Juro. É ele!
Sorrio inteira vendo a mensagem no celular. Sumo pelo apartamento digitando ferozmente, rindo, me emocionando, sonhando, esperando, temendo, querendo. Estar apaixonada é estar viva, não: é melhor do que estar viva, é estar acima da vida, habitando uma ordem superior de realidade. Quero isso que eu tenho com ele, quero para sempre essa emoção nervosa me envolvendo e me protegendo de toda a neutralidade.
No segundo dia de atraso da menstruação, eu estava chorando no banheiro, trêmula, fazendo meu primeiro teste de gravidez. Tinha morrido de vergonha na farmácia, me senti uma tola o tempo todo ali na fila do caixa, o pânico de o resultado dar positivo, a tristeza e o medo difusos, as preocupações todas.
O teste deu negativo. Três dias depois, minha menstruação desceu.
Duas semanas depois, no meio de uma discussão boba, terminei tudo.
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Meu deus, paixão parece até doença! Tenho pavor e lembranças deliciosas ; )
O poder das amigas! Aquelas que te sacodem e fazem ver o que precisa ser visto! A paixão é tão deliciosa que criamos funfics todo tempo!