Outro dia, vi um post em que uma mãe de dois bebês fazia graça sobre seu cansaço e falta de sono. Alguém comentou "É por isso que não tenho filho, prefiro ser mãe de cachorro" e pronto, foi instaurada uma batalha de caracteres nos comentários. Na internet, parece que quem tem cachorro e quem tem bebê são inimigos. Na rua, porém, a coisa muda de figura. Toda vez que saio empurrando o carrinho com o meu bebê, recebo olhares doces de pessoas passeando com os seus cachorros. É comum a pessoa parar e dizer para o cachorro "olha, Tobias, o bebê!", e eu digo "Olha, Vicente, o au-au!". Na rua existem até pessoas que, pasmem, têm cachorros e bebês. A rua é mesmo um lugar muito louco.
Nas redes sociais, há toda uma questão envolvendo mulheres cis e mulheres trans. Há mulheres cis defendendo que mulheres trans são mulheres, há mulheres cis defendendo que mulheres trans não devem ser consideradas mulheres porque quando elas eram crianças elas não passaram pelo que uma mulher cis tem que passar etc. Na rua, é outra coisa. Faz umas duas semanas que eu estava passeando com o Vicente quando paramos para atravessar a rua e uma pedestre trans se aproximou e disse para ele "Que bebê mais fofo!". O Vicente abriu o maior sorriso, então ela comentou comigo que estava muito calor e que bom que o bebê estava tão fresquinho de shortinho, e eu comentei que realmente estava muito calor e que aquele era um ótimo shortinho, e aí o farol abriu e cada uma seguiu o seu caminho, tudo tão simples, muito estranho mesmo.
Nas redes sociais, os bolsonaristas acham que quem votou no Lula é filho do capeta, e quem votou no Lula acha os bolsonaristas uns filhos do capeta. Na rua, pode acontecer de a mocinha do caixa da padaria ser bolsonarista e ser extremamente gentil e solícita com toda uma família que votou no Lula, e enquanto isso uma mãe bolsonarista está radiante com o professor de matemática particular que salvou a nota da filha dela e que votou no Lula, e nessas situações quem votou em quem não faz muita diferença, porque a rua é esse lugar muito psicodélico.
Não tem a ver com este texto, mas falei em capeta e preciso comentar: outro dia, peguei um Uber e o motorista tinha pendurado no retrovisor uma imagem do diabo. Estou acostumada a ver cruzes e Cristos por aí e quando vejo ou não penso nada, ou fico com um pouco de preguiça quando é muito Cristo e muita cruz em todo canto, Cristo e cruz na padaria, Cristo e cruz no salão de beleza, na confeitaria, no cartório. Não pensei que fosse ficar tão incomodada com o diabo balançando para lá e para cá durante todo o meu trajeto no Uber. Não tenho religião, mas naquele dia percebi que, se é pra ficar vendo uma imagem pendurada, prefiro Cristo.
Falando em religião: nas redes sociais, os crentes são todos fundamentalistas e os não crentes um bando de comedores de criancinhas, na rua eu que não tenho religião acabei de chegar de um almoço delicioso com uma das minhas melhores amigas, que é crente.
Nas redes sociais, os casais passam o dia obcecados pela questão de serem ou não monogâmicos. Na rua, os casais passam de mãos dadas conversando numa boa ou com cara de tédio, e depois eles vão para casa fazer coisas como descansar, transar, ver Masterchef.
Nas redes sociais, você precisa ficar se vendendo o tempo todo, como se você fosse um político sempre em busca de votos. Você fica lá trabalhando a sua imagem, e o que você fala ou deixa de falar será mais uma pecinha na construção de sua "marca pessoal". Na rua, você não será cobrado a se posicionar sobre nada, pode simplesmente passear com seu cachorro - ou seu bebê.
Ah, e na rua você pode andar devagar se quiser, sem ficar vidrado ou hiperestimulado entrando em toda as portas que você encontrar pela frente. E você pode sentir o seu corpo, e perceber o ambiente ao seu redor. Você pode fazer coisas como: sentar num café e ficar olhando as pessoas. Nada pisca ou apita e não vai aparecer um anúncio do nada, é muito diferente.
Uma vez eu fiquei tão absorvida pelas redes sociais, mas tão absorvida, que tive uma grata surpresa ao colocar meus pés na rua: eu andava, andava e não era instada a ser inimiga ou amiga de cada um que estava passando pela calçada. Eu só passava, a outra pessoa passava e pronto.
Tenho um conhecido que detesta sair pra rua. Ele sempre diz que fica o tempo todo tenso, pensando que vão levar o celular dele. Pois semana passada esse conhecido estava em casa, tomando cappuccino no sofá, quando foi vítima de um golpe pelo WhatsApp.
Uma vez eu estava na rua quando levaram meu celular e foi um saco, mas pelo menos eu pude passar três dias descansando da internet.
A internet que está cada dia mais insuportável, Lili. Costumo ler os comentários de postagens que me chamam a atenção e sempre há uma pessoa problematizando algo que faz parte da realidade dela. Esses dias vi o vídeo de uma mulher que postou uma receita de batata rosti em que ela gastou 10 reais com os ingredientes do mercado (ela MOSTROU o cupom fiscal com o preço de cada item). Até tudo bem né? Quando fui ler os comentários tinham respostas como "você está mentindo, não incluiu o preço da energia e do gás, logo sua batata rosti não custou isso" ou "esse não um alimento saudável, se você está procurando emagrecer tem muito carboidrato" e só reforçou um sentimento que a internet tem aflorado cada vez mais dentro de mim que é "as pessoas estão LOUCAS". A internet vem transformando a gente em pessoas extremamente intolerantes e reclamonas. Um viva aos passeios na rua.
A vida real é mais prática e funcional mesmo.