Finalmente acordei desobstruída – metaforicamente, digo. Não estava resfriada, mas me faltava porosidade, estava infelizmente presa nas minhas próprias teias, sem me banhar nas coisas do mundo, o mundo não estava acontecendo dentro de mim. Porém hoje abri a porta do meu escritório e dei alguns passos olhando o céu depois da chuva e sentindo a companhia das árvores, num estado de espírito digno do filme Dias Perfeitos. Não sei o que aconteceu, não foram os cogumelos funcionais que eu encomendei, a encomenda ainda não chegou. Seria o cheiro primeiro das férias que se aproximam? Faz anos que eu não tiro férias. Tenho períodos de trabalhar menos, mas férias mesmo, férias de 15 dias, férias digna dos anos 80... Isso faz anos, a última vez que fiquei sem trabalhar foi quando meu filho nasceu, mas licença-maternidade não são férias. Não sei por que acordei entusiasmada e conciliada assim. Acordei, simplesmente. Aproveite, digo a mim mesma. Aproveite.
Por muito tempo amaldiçoei a minha oscilação emocional. Porém, depois de uma depressão, passei a amá-la. Hoje sei: nada é melhor do que oscilar emocionalmente. Triste é passar muitos dias seguidos tristes, sem energia, numa chuva constante, sem um único raio de sol. Quando estou oscilando, a tristeza não me assusta: porque sei que se ela está aqui, amanhã não estará. Então comemoro quando estou triste, porque sei que essa tristeza irá se despedir de mim. Aprendi a comemorar cada um dos meus fracassos e meus erros, porque sei que não fracassarei toda vez: se hoje fracassei que bom, sinal que o dia em que não fracassarei está por vir, se errei que bom, um grande acerto virá! Ah, a oscilação, que bom é aprender a amar a oscilação, o movimento das coisas, o fluxo vital, não vou dizer que isso faz a tristeza doer menos, ela sempre me dói fundo, mas lembrar que não doerá amanhã serve até para eu abraçar sua companhia desarmada, venha, tristeza, me acompanhe, me mostre as coisas do seu ponto de vista, os fatos sem viço, o revés das cores, me mostre que eu estou viva de outro jeito: viva do avesso, o que também é vida. Decidi que quero todas as sensações humanas, não é isso que sou? Humana? Quero ser o que sou, quero que seja o que é. Aprendi a sofrer em paz, intensamente mas em paz, agora que sei que tenho em mim uma abertura para a dor se dissipar da mesma forma que se aglutinou em mim, com a mesma naturalidade, o mesmo espaço vivo.
Não oscilar porque estou só lá em cima aí é clonazepam, que até hoje passei sem, obrigada. Não sei o que é estar só lá em cima e isso não me parece humano. Sei o que é estar lá em cima tão lá em cima a ponto de ter certeza de que não vou cair: isso eu sei: mas então caio.
Não oscilar porque estou há semanas, meses esparramada lá embaixo, isso me é a depressão, o que também aprendi a amar, porque a depressão me ensinou a me apaixonar pela vida antes da depressão: de repente entendo que nos meus momentos alegres eu estava alegre mesmo, que nos momentos de conciliação com a existência eu estava de fato conciliada, que quando eu experimentava o sentido eu realmente experimentava o sentido, não foi uma impressão, uma alucinação, uma mentira: é quando vivo me arrastando que agradeço por nem sempre ter vivido me arrastando, e essa felicidade sentida em retrospecto me cobre de gratidão, e essa gratidão me ajuda a atravessar a depressão, e é quando a depressão passa que mais dou valor à minha querida, de novo: oscilação.
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adorei seu texto, Liliane! me atravessou demais!
me lembrou de um trecho escrito num texto da Jessica Petit (super indico!): "Para Jung, a psique humana não foi feita para funcionar em linha reta, nem para operar em ritmo constante. Precisamos de pausas. A tristeza não é sinal de fracasso. É sinal de transição. É a psique que nos chama de volta para casa."
Esse texto é lindo em tantos níveis...