Aprender a se arrepender
Melhor se virar com o arrependimento do que não honrar a vontade
"Tenho medo de ter filho e me arrepender", me confidenciou uma leitora. "Tenho medo de fazer tatuagem e me arrepender", disse outra. "Tenho medo de pedir demissão e me arrepender", disse uma terceira. “Tenho medo de terminar meu relacionamento”: já rolou isso também… Todas elas queriam um conselho, então eu dei: façam o que tiverem vontade de fazer, não vontade boba, imediatista, mas vontade funda, importante. Honre as suas vontades que importam - de que vale a vida se não fizermos isso? Alguns discernimentos a gente só ganha agindo, e é inevitável que, depois de agir, algumas vezes ficaremos com a sensação de ter errado. É uma sensação ruim, claro, mas a vida é cheia de sensações ruins - felizmente, de sensações boas também. Assim como é fundamental aprender a sofrer, é importante aprender o que fazer com o arrependimento. Para mim, mais produtivo do que ter medo de me arrepender foi aprender a ser um boa arrependida.
"Você parece que gosta muito de ser mãe, né?", a leitora com medo de ter filho me perguntou. Só que eu não tinha dormido nada bem naquela noite e respondi: "Pois saiba que neste momento mesmo estou arrependida". Ela perguntou se eu estava brincando, mas continuei: "Ultimamente não está fácil e tenho me arrependido umas três vezes por semana. No resto do tempo, ou não penso nisso ou estou amando a maternidade". Tem sido assim para mim. Reconhecer com auto honestidade as contradições e as flutuações dos meus desejos e do meu estado de espírito só melhorou o meu estar no mundo e em mim mesma. Às vezes, me assusta um pouco, mas costuma ser mais interessante do que assustador.
Escrevi uma vez que não me arrependo de nada, pois se pudesse fazer diferente teria feito, mas era mentira, quer dizer: na hora que escrevi eu estava sendo honesta, era uma dessas verdades provisórias. A verdade mais sólida é que eu vivo me arrependendo de um monte de coisas, mas também é verdade que me desarrependo no momento seguinte ou algum tempo depois. Não sou uma arrependida convicta, e vou te dizer que isso tem me poupado da amargura, mesmo que esse tempo em que vivemos seja tão difícil.
De modo geral, procuro me conciliar com o que vai acontecendo na minha vida. Quando algo sai diferente do que eu queria e não posso fazer nada a respeito, meu movimento costuma ser o de me frustrar e em seguida tentar tirar algum aprendizado da situação. Transformar dores em aprendizados é uma espécie de hobby existencial que me faz bem, me ajuda bastante a não ficar presa no que deu errado. Gosto assim: sentir tudo que tem para sentir, inclusive frustrações e arrependimentos, mas não ficar presa a nada disso. Se eu também não sei ficar presa a alegrias e a um bem-estar contínuo, me parece um equilíbrio justo: se não consigo me prender de vez numa sensação boa, também me recuso a ficar presa numa sensação ruim.
Geralmente me arrependo das coisas quando estou muito cansada. Descanso e então me desarrependo, às vezes até celebro aquilo de que estava arrependida. Também acontece de me arrepender quando o cenário atual está me contrariando muito. Aí caio numa espiral ranzinza: eu não deveria ter feito aquilo em 1997, eu devia ter feito aquilo em 2003, errei em 2007, fui uma tola naquele episódio de 2010. Geralmente, o que acontece nesses momentos é que eu acabo percebendo que não estou contente com determinada situação da minha vida atual e estou fazendo pouco para mudá-la. É claro que não é tudo na minha vida que depende de mim, mas tenho alguma margem de ação e, se fico nessa de remoer remoer remoer, é porque não estou fazendo nada para tentar mudar. Já aconteceu algumas vezes. O que me salva é que, entre a preguiça vital e a disposição para a mudança, a disposição acaba ganhando, mesmo que às vezes ela dê trabalho e exija que eu pare de me enganar e entre em algum conflito, ou faça contas e projetos, ou assuma algum risco que eu vinha evitando etc.
Procuro não dar muita bola para os pensamentos que me jogam para baixo e que vão contra a maré serena da vida. Reconhecer eu procuro reconhecer tudo que se passa aqui dentro, mas quando me percebo remoendo, e acho até que tenho tendência de ficar remoendo, procuro descobrir algum pensamento mais generoso comigo e com todas essas turbulências contidas na condição de ser humana, e sigo a trilha desse pensamento e de todo o pacote virtuoso que vem com ele.
Eu disse que tenho uma tendência a remoer as coisas, mas acho que também tenho uma tendência a desremoer, porque o que mais me acontece é isto aqui: eu que estava sofrendo tanto de repente sorrio, e um mal-estar tão profundo se converte em alegria pura. Não entendo nem procuro entender: aceito.
Tenho um amigo que diz que a vida só faz sentido com os afetos, ainda que eles doam. Concordo. E outro dia vi uma frase do Rilke de que gostei muito: "Deixe tudo acontecer a você: a beleza e o assombro". Eu deixo. E, para ser franca, até que venho fazendo bom proveito dessa bagunça toda.



Adorei!