Aconteceu com um casal de amigos meus. Num primeiro momento, claro, fiquei estarrecida.
Estavam casados havia o quê, uns dois anos. Verdade que nunca tinham sido um desses casais entediantes que se fecham em si mesmos para, anos depois, culparem um ao outro por terem se fechado em si mesmos. Mas moderninhos, moderninhos, não eram. Trinta anos atrás, certamente seriam considerados de vanguarda. Mas hoje em dia?
Natália continuava indo a festas com as amigas, Breno continuava jogando futebol com os caras. Às vezes, os dois jantavam com uma ex-namorada dele, o que, no fundo, consideravam muito civilizado, muito contemporâneo. Dividiam todas as tarefas domésticas, ela viajava sozinha quando ele preferia passar os feriados em casa. Enfim, não podiam ser considerados antiquados, concordo, mas não faziam nada de muito inovador. De maneira geral, formavam um casal convencional, dentro das convenções dos novos tempos, mas convencional.
Mas, aí, Breno veio com aquela ideia.
Sei lá de onde ele tirou aquilo. Só sei que Natália apareceu lá em casa descontrolada, chorando. “Está tudo acabado!”, “Como ele me propõe uma coisa dessas” e por aí foi. Imaginei uma traição, claro. Na minha cabeça, Natália não era uma dessas pessoas que se descontrolam e choram quando descobrem uma traição, mas isso era a Natália da minha cabeça. Vai que ela reagisse de uma maneira convencional, convencional de hoje, de trinta anos atrás, de séculos atrás? Mas não era isso. Breno não tinha outra. Também não queria propor exatamente aquela coisa de relação aberta, que foi minha segunda hipótese. “Ele quer ter direito a férias de mim”, disse ela, depois de ter se acalmado um pouco. “Ele quer tirar férias uma vez por ano”.
À medida que ela foi explicando, minhas sobrancelhas foram se contorcendo mais e mais, estou certa disso. O negócio funcionaria mais ou menos assim: um mês por ano, eles tirariam férias um do outro. Viajariam ou continuariam em São Paulo, tanto faz – o que importava é que, nesse tempo, poderiam fazer o que quisessem, se envolver com quem bem entendessem, e nem telefonariam um para o outro. “Você liga para o seu chefe quando está de férias?”, ele me perguntou, quando, no dia seguinte, fui questionar a sanidade dele. “E na volta, meu Deus?”, indaguei, tentando acompanhar aquela proposta absurda. “Na volta!”, ele disse, os olhos brilhando. “Quer coisa melhor do que voltar de férias? Na volta é só alegria, entusiasmo, vontade de viver! Um tempo depois, é verdade, vai ficando ruim de novo. O desânimo. O tédio. Aí, você começa a contar os dias. E, quando menos se espera, quando pensa que sua rotina não tem mais saída, quando acha que a sua vidinha já engoliu você, lá vêm elas: as férias de novo!”
Tem gente que gosta de pagar para ver. É inato, é como se a curiosidade dessas pessoas tivesse nascido com alguns centímetros a mais que a prudência. Natália é assim. Depois de chorar, de se indignar, de dormir na minha casa por dois dias, de conversar com Breno várias vezes… Resolveu topar. Louca, a Natália. “Você está colocando seu casamento em risco”, alertei, me sentindo uma tia de blusa de bolinhas que vive nos anos 30. “Ou estou inventando um novo padrão”, respondeu ela. Pobrezinha. Não sabe que não é ela que inventa os padrões.
Foi ele que tirou as férias primeiro. Não disse se sozinho ou acompanhado, não disse para onde: só foi. Ela ficou perdida, solitária, temerosa – mas, ao mesmo tempo, ansiosa para que chegassem suas próprias férias, dali a alguns dias. Até porque ela tinha se dado conta de que um colega de trabalho, com quem sempre tinha flertado, estava solteiro. Como sempre gostou de férias planejadas, acertou tudo com ele antes.
Então, continuou sendo uma esposa dedicada e fiel, com saudade do marido, simpática ao telefone com a sogra, cumpridora de todas as suas tarefas normais. Até que o dia marcado chegou: e então ela saiu de casa, ansiosa e feliz, para se hospedar na casa do Jonas, como programado. Sempre organizada, a Natália.
“Você não faz ideia de como foi bom”, ela me disse, na volta. Notei que estava mais corada, talvez até bronzeada. Agia como se tivesse voltado de um lugar distante, ou mais: como se, por trinta dias, tivesse vivido outra vida, na pele de outra pessoa. “Que revigorante! Pena que nem lembrei de tirar fotos”.
Era estranho, mas não posso dizer que era incompreensível. O dia a dia com Breno era ótimo, ele era um marido legal, ela tinha sorte; mas, nas suas férias, tudo o que ela não queria era se lembrar de Breno. “Nossa, mas como foi bom voltar!”, ela continuou. “Nunca vi o Breno tão animado, e parece que até nossa casa ficou diferente! Tudo mais bonito, colorido!” Bom, aí, nessa hora, comecei a me encher. Afinal, é quase uma afronta conversar com essas pessoas que voltam tão regeneradas das férias, quando você está na mesma – sem direito a um mísero dia de folga, quanto mais férias prolongadas.
Mas não sinto inveja. Já faz cinco anos que eles começaram com essa história e ainda acho tudo isso uma grande loucura, uma insensatez. Férias de casamento? Isso não existe. De certas coisas, você não tira férias nunca, a não ser que decida pagar um preço muito alto. Mais cedo ou mais tarde, essa conta vai vir, tenho certeza. Um amor de verão vai subir a serra, sei lá. Uma hora, o casamento deles vai desabar.
Claro, uma hora quase todo casamento, convencional ou não, desaba, mas não é o momento de entrar em estatísticas.
Já falei isso para os dois, em pelo menos três ocasiões. Mas eles não me escutam. Pelo contrário, parecem mais felizes do que nunca, com o relacionamento e com a vida em geral. Breno está apaixonado pelo novo emprego, trabalhando 60 horas por semana. E Natália… Bem, no momento, ela está de férias. Mas, quando voltar, quero ter mais uma séria conversa com ela.
"Pobrezinha. Não sabe que não é ela que inventa os padrões". E quantas mais nem imaginam!
Adorei sua crônica!
E a curiosidade pra saber dos demais detalhes que envolvem essas férias? hahah