Comentei com uma amiga que a minha gata, a Lulua, deu para me presentear pela manhã com ratos mortos, e ela disse que isso arruinaria o seu café da manhã, receber um rato morto de presente. Falei que o que me desagrada mesmo é que a Lulua tem usado como arranhador o sofá lindo e novo aqui de casa, e então minha amiga, uma pessoa legal porém totalmente contra ter animais de estimação, perdeu a paciência:
– Por que as pessoas têm gato, meu Deus do céu? Não consigo imaginar essas coisas acontecendo aqui em casa, eu ia ficar muito irritada. Sério, por que ter um bicho que vai ficar te enchendo o saco com esse tipo de coisa?
Amiga querida, você é ótima, mas se esqueceu do básico sobre as relações, estejamos falando de relações com outros humanos ou com animais de estimação:
Todo vínculo é uma fonte de alegrias e também de encheção de saco.
Não tem outro jeito, é assim que os vínculos funcionam.
Se uma pessoa ou um gato só te trazem alegria, ou você tem um raro espírito inabalável, ou o vínculo entre vocês é superficial. E a superficialidade pode ser cômoda, mas não mata a nossa sede de vínculos.
Tem uma criança aqui perto de casa que todo dia me dá tchauzinho quando eu passo. É uma criança fofíssima, e ela tem o rosto tão adorável, e posso dizer que toda vez que ela me dá tchauzinho eu me encho de ternura e alegria. Essa criança nunca me encheu o saco. Mas me pergunta se eu já passei mais de cinco segundos interagindo com essa criança. Eu nem sei o nome dela.
Lulua me surpreende algumas vezes com ratos mortos nojentos, é verdade. Mas me anima tantas vezes pulando no meu colo, quando eu bem que estava precisando de uma respiração a mais perto de mim. Agora há pouco mesmo, eu estava quieta lendo e ela se aninhou ao meu lado, e fiquei fazendo carinho nela e lendo, e ficamos numa harmonia tão perfeita, eu e o livro e a Lulua, e o meu escritório ficou todo vivo.
Meus filhos, meu marido, meus amigos, as pessoas com quem mais convivo, todas elas, sem exceção, me alegram e me perturbam. A mágica é que quando elas me perturbam elas só perturbam, e no momento de alegria elas só alegram, e nessas alegrias inteiras eu esqueço as perturbações inteiras e me transformo numa pessoa inteiramente alegre que nunca foi perturbada.
Até, claro, a próxima perturbação. Porque é assim que é. E a gente pode até se cansar das coisas como elas são, e podemos estar certíssimos no nosso cansaço, mas nem por isso as coisas deixam de ser.
Quando você se cansa das perturbações e resolve tirar da sua vida um gato ou uma pessoa que te alegra e te perturba, as perturbações causadas por aquele vínculo cessam, mas não apenas as perturbações. Um vínculo completo de alegrias e perturbações, quando acaba, é mais uma fonte viva que secou.
Fica um silêncio e um buraco.
É preciso amar as pessoas (e os bichos) como se elas não enchessem o saco. 😆
Tenho 3 gatos que arranham meu sofá todos os dias. Um deles tem mania de achar que a areia tem que ficar fora da caixa, uma das gatas Mia o dia todo (ela gosta de beber água na pia do banheiro) e a outra gata acha que a minha cama é dela. Apesar dessas perturbações, adoro as alegrias que eles me trazem ❤️