Uma vez, uma aluna comentou que tinha escrito no Instagram um texto sobre determinado assunto, e depois, para sua frustração e constrangimento, ela descobriu que outra pessoa tinha publicado no dia anterior um texto com tema e abordagem parecida. "Eu não copiei o texto dela, Lili, eu juro", ela me disse. "Eu nem tinha lido o texto dela! Foi uma coincidência, e fiquei apavorada de acharem que eu estava copiando".
Plágios existem, assim como "inspirações" sem dar os créditos. Mas aqui estou falando de outra coisa: de quando você e uma pessoa pensaram algo parecido, não se comunicaram e produziram algo parecido. E aí alguém vem e fala: "Caramba, essa história do seu livro, li uma bem parecida do autor tal do século 19". Ou: "Essa ideia que você disse nos Stories, Lacan fala exatamente isso no seminário tal, sabia?" E você, que nunca leu Lacan na vida, fica com cara de tacho.
Voltando à minha aluna: além de assegurá-la que eu acreditava nela, citei uma passagem do livro Aprender a viver, do filósofo chinês Lin Yutang.
No belo e sensível prefácio, o autor escreve: "Não sou original. A ideias expressas aqui já o foram por muitos pensadores do Oriente, e do ocidente, às vezes (...). São, apesar disso, ideias minhas; tornaram-se parte integrante do meu ser. E se tomaram raízes no meu ser, é porque expressam alguma coisa de original em mim, e quando as encontrei pela primeira vez, meu coração lhes deu seu instintivo assentimento".
Mais à frente, o autor escreve: "É um bom método apelar para a própria intuição, pensar com as próprias ideias e formular juízos próprios e independentes e confessá-los em público com infantil imprudência, na certeza de que algumas almas gêmeas, nalgum outro recanto do mundo, hão de compreendê-los. Quem forma desta maneira as suas ideias se espantará amiúde ao descobrir que outro escritor disse exatamente as mesmas coisas e sentiu exatamente o mesmo, mas expressou quiçá as ideias com maior facilidade e maior graça. É então que descobre o autor antigo, e o autor antigo lhe serve de testemunho, e para sempre se fazem amigos de espírito".
Amigos de espírito: não é bonito? Serve para autores contemporâneos também, não só antigos. Às vezes, não houve cópia alguma, o que houve foram amigos de espírito pensando coisas semelhantes, sentindo coisas semelhantes, chegando a conclusões semelhantes. Neste mundo tão tomado pela competitividade, é libertador desligar a chave de enxergar o outro como um rival em potencial, ou a si mesmo como uma possível fraude, e colocar a questão no campo da semelhança, da afinidade, da amizade.
Mesmo que uma ideia ou um raciocínio sejam parecidos, cada autor se expressará à sua maneira. Claro que num texto curto como um aforismo, é maior a chance de o texto soar muito parecido, e dependendo das pessoas em questão (por exemplo, um autor muito famoso e outro desconhecido), alguém pode ler e pensar: "A-há! Esse aqui imitou o outro!". De novo, imitações existem, assim como pessoas pouco criativas e com muita cara de pau que reescrevem com outras palavras o post alheio. Mas a gente sabe quando estava no sofá, tomando um chá e pensando na vida, e uma ideia nos ocorreu, e quando escreve um texto que veio de uma urgência e uma descoberta nossa.
Se você pega textos mais extensos, como livros, ou observa a obra completa de alguém, fica mais nítido quando um autor está exprimindo os pensamentos e sentimentos de maneira mais autoral (e não copiando conteúdo alheio nas redes sociais). Essa pessoa que não está copiando está expressando sua singularidade. Uma atividade que dá muito trabalho e que pode ser muito gratificante e prazerosa. Embora nem sempre traga fama ou dinheiro: às vezes, artistas medíocres chegam mais longe do que talentos brilhantes e pouco reconhecidos. Felizmente, há também enormes talentos que alcançam reconhecimento.
Em vez de se preocupar com a originalidade, eu disse para a minha aluna, ocupe-se da sua singularidade. Um conceito que talvez importe muito mais num mundo em que tanto já foi e é dito todos os dias. Expressar-se de acordo com sua singularidade, para mim, é deixar o mundo acontecer dentro de você e então expressar essa mistura de interioridade e exterioridade do seu jeito, a partir do seu olhar, com as suas palavras. Tem a ver com se arriscar, com se permitir incoerências, com não pensar de maneira formatada, esquematizada num sistema cheio de ecos e adeptos.
Depois de se expressar, você, com sorte, descobrirá seus amigos de espírito.
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amigos de espírito! lindo, lindo.
amei seu texto ..