Quando comecei com esse negócio de querer otimizar as coisas? Por coisas, leia-se: tanto tarefas como prazeres? Eu ainda era uma otimizadora iniciante e inocente quando tinha vinte anos e estava no aeroporto de Fortaleza. A amiga que viajava comigo e eu estávamos com fome e queríamos comprar uma revista para ler no voo (naquela época a gente lia revista). O problema é que o tempo estava corrido. Então, em vez de irmos juntas a cada lugar, nos separamos: eu fico na fila da lanchonete, você fica na fila da revistaria, eu compro os nossos lanches, você compra as nossas revistas, nos encontramos no meio do caminho, bora. Eu me lembro de como nos sentimos eficientes quando nos reencontramos com nossos lanches e revistas. Foi uma sensação boa. Puxa, Lili, mas foi legal mesmo, fez sentido o que vocês fizeram – eu sei, eu sei. Mas é que, quando me lembro daquele dia, eu me lembro de uma otimização tão tranquila, tão marota, tão raiz. Era diferente da avalanche de otimização que me ameaçaria nos anos seguintes.
O excesso de otimização é o primo mais bem-apessoado do estresse, e anda junto com o esquecimento dos pequenos prazeres, das alegrias delicadas.
Na infância e na adolescência, eu não era nada otimizadora. Se a prova era de matemática e eu precisava de nota boa, ok: eu sabia como me focar no estudo. Porém, se eu estava, por exemplo, caminhando, coisa de que sempre gostei, eu sabia fazer aquilo num estado de espírito mais livre, desinteressado. Havia um equilíbrio entre atividade e descanso, simplesmente. Mas talvez o mais importante seja o seguinte: quando eu estava fazendo alguma atividade, eu não necessariamente buscava extrair a minha melhor performance naquela atividade. Sabe, às vezes eu só queria rir ou relaxar enquanto fazia algo. E importante também: eu não necessariamente estava empenhada em fazer o tempo render.
Fazer o tempo render: essa é a tentadora promessa da otimização.
Eu não fazia ideia de que, no futuro, muitas caminhadas “à toa” seriam assim: vou aproveitar que vou caminhar para passar no mercado, ah, e na volta já aproveito e levo aquela calça para a costureira, ah, o que custa aproveitar que estou andando e ligar para o gerente do meu banco e ir resolvendo as coisas no celular, né? E depois ir planejando mentalmente o que vou falar na reunião? E depois praticar italiano?
Antes de virar um vício, o gosto por otimizar o tempo nasce como um hábito simpático, inofensivo e ao mesmo tempo útil, bem visto, coisa de gente produtiva. Qual é o problema em querer fazer as coisas mais rápido e de maneira mais proveitosa, afinal? Isso é melhor, certo? Assim, ganhamos mais tempo para fazer outras coisas.
O problema é que o tempo para fazer as tais outras coisas não chega nunca, porque, bem, quando o tempo das outras coisas chega, lá estamos nós ocupando esse novo tempo para fazer outras coisas, e lá está a nossa vida sempre tomada por uma outra vida. Já que eu vou acordar cedo hoje para ir à academia, o que custa já responder meus e-mails? E já que vou visitar a minha mãe no sábado, vou aproveitar para levar a minha gata no petshop que fica no caminho. Já que vou ficar em casa, vou aproveitar para faxinar. “Já que” é um início de frase frequente quando andamos exagerando na otimização, pode reparar.
Teve uma época em que virei uma pessoa tão produtiva que, quando eu não estava otimizando, eu estava procrastinando. O que uma coisa tem a ver com a outra? É que desaprendi uma maneira mais ou menos equilibrada de vivenciar tanto as tarefas como os momentos de lazer: ou era na chave da afobação para conciliar tudo no menor tempo possível, ou estava deitada no sofá sem resolver o que eu precisava resolver, e ao mesmo tempo sem conseguir curtir o momento, já que, lá no fundo, eu sabia que precisava resolver coisas.
Era tipo um basta do meu corpo: não, eu não vou entrar nesse looping otimizador, eu vou ficar parado, entrei em greve, não vou resolver nada: porque se me levantar para resolver uma coisa, você vai transformar essa coisa em um milhão de coisas.
A leitura me ajudou a sair dessa roda ininterrupta. Não qualquer leitura: a leitura por prazer. Sem preocupação com o número de páginas lidas, e com total aceitação de suspiros, distrações, espiadas pela janela entre uma página e outra.
Outra que me estendeu a mão foi a escrita. Ela me ajudou a me relacionar melhor com a fruição mais delicada do tempo, com os momentos de pressa e os de pausa, com o ritmo de fora e o de dentro, as correrias necessárias e as delicadezas fundamentais.
Fico impressionada como a leitura e a escrita são generosas.
Discussão sobre este post
Nenhuma publicação
Me lembrei de como eu sempre gostei de passear com minha cachorra pelo simples prazer de fazer ela feliz e poder ver a rua. Em dias cheios, comecei a levar meu celular para ir respondendo o Whatsapp durante o passeio e em pouco tempo o passeio parou de ser prazeroso, era só mais uma obrigação e momento de tela.
Abandonei o celular de novo porque nenhuma notificação era de verdade mais urgente do que viver aqueles quinze minutinhos sem pensar em nada.
Achei fantástico o paralelo que você fez entre otimização e procrastinação! sem dúvida alguma eles andam de mãos dadas!