Eu tinha vinte e três anos e morava em Belo Horizonte. Morava sozinha não exatamente por vontade, mas por força das circunstâncias. Conhecia pessoas como nunca, saía com meus amigos como nunca, estava sempre mandando e recebendo mensagens pelo celular – mas me sentia sozinha quase o tempo todo. Sem saber muito bem por que, resolvi passar o fim de semana em Tiradentes. Sozinha.
Umas oito da manhã, já estava na rodoviária, comprando um Cheetos e uma Coca para o trajeto de cerca de três horas. Passei o caminho olhando a paisagem, sem ouvir música, sem tocar nos livros da minha mochila – lembro bem: Perdas e Ganhos, da Lya Luft, uma febre na época, e Primeiras Histórias, do Guimarães Rosa, febre que não passa. Com as mãos sujas de Cheetos, eu tentava digerir o fim de um casamento, o fim de um namoro intenso pós-casamento, e, por que não, os fins, todos eles. Tinha vinte e três anos, mas me sentia com sessenta, no mínimo.
Desci em São José Del Rey, que fica a uns dez quilômetros de Tiradentes. Resolvi passar uma noite naquela cidade que, à primeira vista, me pareceu normal, comum: e, naquele momento, tudo o que eu queria era me misturar a um lugar comum, sem nada de mais. Um lugar ao qual eu não fizesse força alguma para pertencer, que me deixasse confortável sendo apenas eu, sem esforço.
Procurei uma pousada baratinha, achei. Deixei minha mochila lá, peguei minha carteira. Andei andei andei, vi vi vi, resolvi comer. Parei em uma lanchonete bem simples, dessas de interior, esperando a melhor refeição do mundo: lembro de querer pensar que, nos restaurantes mais simples, podemos encontrar os pratos mais sensacionais, melhores do que muito restaurante caro, metido a besta. Mas minha refeição naquele lugar simples estava longe de ser espetacular, era apenas normal – o que estava ótimo.
Voltei para a pousada cedo, com o pôr do sol. Uma parte de mim me censurou por estar agora deitada na rede, em um canto da pousada, em vez de sair, conhecer pessoas, aproveitar, conversar, fotografar, telefonar, contar. Outra parte de mim me lembrava, como quem lembra não de um presente, mas de um peso, uma responsabilidade terrível: você só tem vinte e três anos!
No entanto, continuei ali, na rede, agora alternando a leitura dos dois livros que havia levado, celular esquecido no quarto. Li até tarde, comi uma empada fria que tinha comprado à tarde, a empada estava bem mais ou menos, dormi.
Na manhã seguinte, peguei a Maria-Fumaça e fui para Tiradentes. Tiradentes era outra coisa: cidade arrumadinha, cheia de restaurantes chiques e caros em cima das pedrinhas singelas, repleta de casais de namorados e máquinas fotográficas: Tiradentes quer e merece ser fotografada. Já eu, que não sabia o que queria, mas que hoje vejo que só queria um parênteses acolhedor, muito despretensioso, muito sem planejamento… Eu me enfiei numa pousada sem charme algum, cuja diária, lembro bem, era de 22 reais (!), e mal consegui fechar os olhos numa noite repleta de pernilongos, mas acordei feliz como havia tempos não acordava. Então meu ânimo estava o tempo todo ali em Tiradentes, e eu só precisava ir lá para reencontrá-lo?
Pensei em não sair nunca mais de Tiradentes, planejei comprar uma casa lá. Voltei para Belo Horizonte. No ônibus, de novo, só olhei a paisagem. Na volta, estava decidida a não me envolver mais com o tal ex-namorado pós-casamento, mas as voltas, como todos sabemos, são essas confusões de telefones, e-mails e mensagens, e me envolvi, e terminamos de novo, e sofri de novo. Alguns meses depois, eu estaria cancelando o contrato de aluguel do apartamento e me mudando para São Paulo. Alguns meses depois desses meses, estaria no avião, prestes a conhecer pela primeira vez lugares como Atenas, Londres e Amsterdã, onde mesmo o mais simples dos hostels carregava, pelo menos para mim, uma aura de cool.
Mas a viagem para Tiradentes seguiria sendo uma das melhores que fiz. Só eu, numa viagem do jeito que eu queria naquele momento, do jeito que eu precisava: sem pratos sensacionais, companhias interessantes ou madrugadas intensas. A vida numa versão mais crua, sem sal nem pimenta, e antes, muito antes, do Instagram existir. Uma viagem comum, sem nada de mais, em que não tirei uma única foto, mas me permiti um contato íntimo comigo mesma que todos nós deveríamos permitir de vez em quando.
a gente deveria se permitir muito mais do que a gente se permite.
Quero mais viagens assim...