Há quase dois anos, quando meu caçula nasceu, resolvi voltar a praticar atividades físicas com regularidade e me matriculei numa academia. Assim que a minha médica me liberou, fui correndo para a musculação, vamos lá, Lili, são suas roupas de volta, é saúde física e mental, nada de deixar para segunda-feira.
Comecei indo três vezes por semana e, depois de alguns meses, aumentei para quatro vezes. Importante ressaltar que, nestes dois anos, me mudei de cidade e, durante o processo de mudança, eu, que procrastino mil burocracias, levei apenas cinco dias para providenciar e começar a frequentar a nova academia.
Vamos lá. Considerando que eu não sou uma influencer fit, e que trabalho, tenho dois filhos e inúmeros interesses que não têm nada a ver com academia, olho para trás e me sinto bastante bem-sucedida nestes quase dois anos de academia. Nem sempre é fácil encaixar o exercício físico na minha rotina, nem sempre acho razoável ou vejo sentido em ficar me agachando repetidamente enquanto carrego uma anilha de 24 quilos, mas lá estou eu, me dedicando por quarenta e cinco minutos àqueles aparelhos que têm nomes como crucifixo invertido e mesa flexora.
Infelizmente, porém, o novo instrutor da academia não parece muito satisfeito com meu desempenho.
O instrutor foi contratado a pedido dos condôminos para tirar dúvidas dos frequentadores da academia. Ele faz o estilo mais na dele: geralmente fica parado atrás do balcão, perto da catraca, e gentilmente atende o aluno quando solicitado. Eu já o chamei duas ou três vezes para me ajudar com o exercícios e diria que ele foi cortês e eficiente.
Um dia, já cheguei meio esbaforida à academia, porque eu só tinha vinte e cinco minutos para me dedicar ao universo paralelo dos pesos e anilhas e precisava em seguida caminhar de volta para a minha casa, tomar banho, finalizar mais ou menos dignamente meu cabelo e sair para uma reunião presencial. Então cheguei decidida a dar o meu sangue, e por vinte e cinco minutos fiz um treino muito mais intenso e pesado do que a minha vontade gostaria. Terminei, posso dizer, realizada, curtindo não só as endorfinas mas também o fato de que puxa vida, parabéns, Lili, você deu tudo de si, você realmente levou a sério isso aqui, treino fofo é o caralho, é isso aí! Porém, quando eu estava passando pela catraca, o instrutor disse:
– Nossa, já vai? Você mal chegou.
– Hehe, pois é, hoje não deu para ficar muito tempo.
– Tsc, tsc...
– Hehe...
Apesar dos pesares, segui meu rumo sem esperar palmas da sociedade, procurando me contentar com meu autocentrado bom humor endorfinístico, dane-se o comentário do instrutor, eu fiz quatro séries de quinze repetições com sete placas na cadeira adutora, nada vai me deter.
Alguns dias depois, me deu a louca e resolvi fazer 50 minutos intensos na academia. Estava chovendo quando saí de casa a pé, mas e daí? Eu estava animada e ouvindo o novo álbum da Beyoncé, eu tinha estresse para extravasar, eu só dependia de mim naquele momento. Então fui aumentando as cargas e o número de repetições, e até me dediquei a uma fascinante sessão de elevação pélvica, que eu vinha pulando nas últimas semanas. Pois bem: cinquenta minutos depois, caminho satisfeita e suada para a catraca, como se tivesse acabado de fazer sexo do bom, mas o instrutor me encara e diz:
– Mas já! Tá só na enrolação, hein!
– Hehe, pois é, já deu por hoje... Até mais!
Alguns dias se passam sem que meu horário na academia coincida com o instrutor. Até que, numa manhã, dou bom dia para ele e faço meu treino padrão, de 40 minutos. Sim, foi um treino ok, mediano, porém eu nem sabia que conseguiria treinar naquele dia, estava ocupada, estressada, tinha chorado de manhã cedo, mas dane-se, eu sei que atividade física me faz bem, vamos lá, Lili, você consegue, imagine-se daqui a pouco em casa no banho quentinho, vai, gata, conto com você. Não preciso dizer que no final, quando passei feliz e até levemente impressionada comigo mesma pelo instrutor, ele disse:
– Já?? Ah não!
– Hehe.
Eu ainda dei um tchauzinho meio murcho. Só que dessa vez saí fiquei pensando: quer saber? Da próxima vez, vou falar com ele. Claro que não vou ser grossa nem nada, vou apenas falar que puxa vida, sabe de uma coisa? Robson o seu nome, não é? Pois é, Robson, esse tipo de comentário que você faz quando eu estou indo embora não é legal. Isso mesmo, vou falar, decidi.
Então, ontem, fui à academia com isso na cabeça. Nada ia me deter, nem em relação à elevação pélvica, nem em relação ao instrutor. Quem sabe assim eu salvava comigo outras pessoas que ficam ouvindo o mesmo comentário mala dele? Não é só por você, é por todos aqui da academia, é pelo coletivo, não desista, Lili, fale, fale!
– Já vai?? – o instrutor disse quando passei pela catraca.
– Então, Robson... É Robson, né?
– Isso, Robson!
– Sabe, Robson, eu sei que você faz esse comentário com a melhor das intenções, quer dizer, você faz por fazer, imagino...
– Comentário? Que comentário?
– Isso de ficar falando “Mas jááá?” toda vez que eu saio da academia. Veja, não é fácil arranjar tempo para vir aqui, e eu venho mesmo assim. Daí estou indo embora satisfeita, mas acaba sendo um tanto quanto frustrante ouvir o seu “Mas já”. Entende? Pode parecer bobagem, mas que tal, por exemplo, um “Muito bem!” ? Ou simplesmente uma “Boa semana”. Ou quem sabe um simples tchau? Ou um simples nada?
– Nossa, desculpe, Vívian, eu...
– Liliane. Pode me chamar de Lili. Não precisa se desculpar, imagina, eu só...
– Desculpe, Lili, eu falo distraído esse negócio de “Já”, na verdade nem tinha reparado que eu falava isso.
– Ah, sem problema, acontece. Bom, estou indo, obrigada por me entender.
– Parabéns pela sua dedicação, Lili. E uma ótima semana para você!
– Obrigada, Robson! Ótima semana para você também!
O diálogo tinha sido muito melhor do que eu poderia esperar. Fui para casa incrivelmente feliz, me sentindo duplamente vitoriosa: pelas endorfinas e por ter me comunicado de maneira assertiva, e pelo instrutor ter respondido com tanta gentileza. Tão simples, né? Falar com as pessoas, interagir, não ficar só nesse patético “hehe”, parece boba, eu hein. Tão mais legal ser sincera, se dar ao trabalho de ter uma troca verdadeira com um estranho, uma troca mínima que seja! É incrível o poder da comunicação. Tão melhor do que ficar criando ranço das pessoas, do que ficar preso na própria cabeça, pensando mil coisas.
Isso fui eu pensando no chuveiro. Na real, não falei nada. Só soltei mais um “hehe”.
Quem sabe segunda-feira.
rolei de rir