Se tem mercado para aquilo que você criou, significa que o que você criou é bom? Não necessariamente. Por exemplo: youtubers que ganham a vida fazendo coisas como “Comer o máximo que eu puder” podem alcançar milhões de visualizações. Assim como vídeos com as fakenews mais deslavadas no TikTok. Um chocolate de sabor duvidoso e péssima qualidade pode ter relativo sucesso no mercado – porque custa barato e é o único chocolate pelo qual milhares de pessoas podem pagar. Não é porque algo vende muito que esse algo é bom: algo que vende pode muito bem ser tosco, desonesto etc. Concordam?
Isso posto, é uma tristeza quando encontro algum artista ou aspirante a artista que confunde as bolas e acha que, se não tem muito espaço no mercado para o que ele anda criando, isso significa que o que ele está criando é ruim.
Mas vamos lá, pode ser que seja mesmo ruim. Porque às vezes o mercado não valoriza o que fulano está criando, e o que fulano está criando não é lá essas coisas. Mas não é lá essas coisas para quem? Aí é que está: se não é o mercado que define (e não é!), quem define?
Pessoas que entendem do assunto me parece uma boa métrica. Pessoas da área. Porém, quando falamos de arte, não há valores absolutos, mas algum critério há. Ou então: algum critério há, mas não há valores absolutos. Ou seja, a subjetividade interfere bastante, os críticos divergem entre si. A crítica não é ciência exata. Ou seja: falar de arte, crítica e mercado sempre dá confusão.
No primeiro parágrafo, escrevi: “Não é porque algo vende muito que esse algo é bom”. Mas você, encarando o Sócrates num diálogo de Platão, pode me devolver: mas o que é o bom, Lili? Pois é, poderíamos discutir por horas. Isso num dia bom: num dia ruim, a gente não discutiria coisa alguma e cada um ficaria no seu celular.
Mas voltando ao artista que troca as bolas, confundindo o seu valor como artista com o valor de mercado... Eu diria para ele: simplifique a sua vida. Como? Foque-se no prazer de criar e, paralelamente a isso, arranje um jeito de pagar os seus boletos. Focar-se no prazer de criar: porque, como diz um amigo meu, é muito difícil sentir o prazer de estar vivo quando não se cria alguma coisa. Pagar os boletos: o que quero dizer é sustentar materialmente a sua vida, seja pagando do seu bolso, seja morando com seus pais até os quarenta anos, seja prestando concurso, aí vai de cada um, de sua personalidade e suas possibilidades.
Ou então: viva entre dois rios, fazendo as coisas do seu jeito e tentando emplacar um sucesso comercial. Aí precisa sair um pouco da sua cabeça: observar o que está vendendo, o que as pessoas estão consumindo, as tendências que estão rolando, quem está bombando. Às vezes, num breve afã de ganhar um dinheiro que me traga mais estabilidade financeira, tento pegar esse rio mercadológico, mas costumo me atrapalhar nas correntezas. Meu processo de criar é muito íntimo; ainda que eu não seja uma escritora nada hermética, acho um saco detectar “tendências de mercado” e tentar escrever e criar com base nelas. Embora às vezes, em determinadas configurações astrológicas, eu seja invadida por um siricutuco de vender muito, ser muito lida e coisa e tal. Ou seja, nasci para sofrer.
Falando em configurações astrológicas, o céu deve ser fazer alguma coisa que expresse quem você é, ou seja, criar algo completamente livre, do seu jeito, fruindo o prazer da criação... E esse algo encontrar um grande público. E ser considerado bom: por gente da área e pelo público mais qualificado. Já pensou? Um alinhamento raro entre os planetas. Caetano Veloso, Gal Costa, Frank Capra, Charles Chaplin, Clarice Lispector… Esses e muitos outros grandes conquistaram o mercado botando o coração deles em suas obras. Ao lado do prestígio e do sucesso comercial, a expressão genuína de um talento desbravado e escancarado, bonito demais de se ver.
”Ah, Lili, não gosto do Charles Chaplin”, “Ah, não curto Caetano”. Ah, nem vem.
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é um equilíbrio muito difícil, se é que de fato chega a ficar equilibrado para alguém…
Que delícia encontrar seus textos de novo, em uma nova plataforma!!