O problema não é fazer academia, o problema é passar o dia pensando em supino, prancha isométrica, whey, taxa de gordura corporal, creatina. Isso é ruim para escrever, para qualquer fazer criativo. Qualquer obsessão é ruim para a escrita, na verdade. A não ser que você escreva sobre ela. Aí a obsessão é ótima para a escrita. Nos últimos anos, tenho feito um rodízio entre seis ou sete obsessões. Quando a obsessão fica presa em círculos ou me deixando mais chateada do que interessada, é hora de passar para a próxima. Gosto de obsessões que me deixam acesa, interessada pelo que me espera quando levanto da cama.
Há algum tempo, eu estava no supermercado, na parte das frutas, quando derrubei um limão. O limão saiu rolando e foi parar no pé de uma mulher, que acabou tropeçando nele. Então a mulher se agachou, pegou o limão e me devolveu pedindo desculpa. Por que aquela mulher me pediu desculpa? Na mesma hora, lembrei de uma amiga que viu um documentário sobre um psicopata que disse que gosta de escolher as vítimas do seguinte modo: ele faz alguma coisa como dar um esbarrão nela, e, se ela pede desculpa, ele sabe que ela será uma ótima vítima para as presas dele. É de arrepiar, não? Depois de ver esse documentário, minha amiga parou de pedir desculpas assim, no automático.
Por anos pensei que uma pessoa que constantemente fica entregue a momentos de ócio é uma pessoa que está apaziguada mentalmente, em vez de estar refém da nossa sociedade produtivista. Depois de ler alguns textos da Carson McCullers, percebi que às vezes a pessoa que está completamente entregue ao ócio pode estar completamente atormentada por dentro e ferventando alguma maldade prestes a acontecer.
Estes foram os três parágrafos que me ocorreram para iniciar meu texto de hoje. Acho que vou escolher para desenvolver o primeiro. Espero que tenha sido o seu preferido, porque hoje estou com vontade de agradar. Então vamos de obsessão.
Obsessão como algo que ocupa muito tempo nos seus pensamentos e te arranca com força do momento presente. Como todos sabem, é impossível ficar no momento presente o tempo inteiro, então o negócio é arranjar uma obsessão que te tira do momento presente, mas depois te devolve renovado, interessado, apaixonado. É isso que eu quis dizer quando falei que obsessão boa é aquela que me deixa acesa – para escrever, para conversar, para viver. A obsessão sombria tem o poder de arrancar a vitalidade de alguém – e aí me lembro daquela frase de Hilda Hilst: Se tens um inimigo, deseje-lhe uma paixão (mais ou menos assim a frase).
Porque obsessão boa é como a paixão no começo, a paixão correspondida. Acabou a falta de sentido da vida: tudo ganha sentido, o sentido da obsessão. Tudo parece possível, cada descoberta é uma revelação, cada dado do mundo inspira. Obsessão ruim é um relacionamento tóxico mental, que você só continua porque está viciado, aquele vício velho, que já não tem nada a ver com prazer.
Algumas obsessões são prosaicas. Por exemplo, uma amiga está obcecada pelas plantas da varanda, só fala disso. Acorda pensando se o manjericão precisa de água, se as suculentas estão recebendo luz demais, por que diabos a hortelã cresce igual erva daninha enquanto a sálvia teima em definhar. É uma obsessão simples e boa porque cada dia tem surpresas pequenas: um broto novo, uma folha que mudou de cor, uma flor que apareceu do nada. Uma obsessão singela, natural, que gera aprendizado/conhecimento (ela está sempre pesquisando), conversas interessantes (se não passarem de dez ou quinze minutos) e que ainda rende frutos, literalmente, dependendo da planta.
Tem as obsessões noticiosas. A mina que fingiu ser astronauta da Nasa, um evento político específico, um crime específico: a pessoa obcecada fica colecionando dados, indo atrás de atualizações, stalkeando as pessoas envolvidas. É um tipo de obsessão que vem da informação e gera informação.
Obsessões amorosas. Obsessões culturais. Obsessão pelo sucesso. Obsessão pelo nirvana. Obsessão por dieta. Obsessão pelo autoconhecimento. Obsessão por fantasmas: uma relação que acabou, uma briga que passou, uma decisão que não tem mais volta. Todas as obsessões podem começar interessantíssimas, mas todas podem passar do ponto e ficar chatas, chatas, chatas. Algumas perigosas, algumas tóxicas, a maioria simplesmente isto: chata.
E uma minoria de obsessões, passada a fase da paixão, vira um relacionamento duradouro e bom: tem essas também.
As obsessões boas são aquelas que fazem você se concentrar tanto nelas que você acaba entrando em flow, e isso é muito bom. Adoro ter uma obsessão. Acho que estou precisando de uma nesse exato momento! bjks
No meu caso é dizer "até logo". Por que eu digo "até logo" ao uber que eu sei que jamais vou ver na minha vida?