Foi aos 13 anos que me senti pela primeira vez uma adolescente. Dos vinte até os trinta e poucos, me sentia uma adulta muito jovem. E foi dois anos atrás, aos 42, que me senti aterrissando numa nova paisagem: a meia idade.
Aos 13, eu era muito interessada no meu próprio corpo, e era no espelho que eu conferia diariamente que, de fato, eu já não era a mesma. Por muitos anos, gostava do que via. Aos 42, com um bebê recém-nascido, eu mal tinha tempo para me olhar no espelho – mas foi nessa época que, quando eu olhava para os lados, comecei a notar que as pessoas que eu tinha conhecido dez, vinte anos antes pareciam ter cruzado a fronteira para a meia idade. Parentes, amigas e amigos, atrizes e atores que eu acompanhava, pessoas com quem eu trabalhava: uns de modo mais escancarado, outros mais discretamente, eles envelheciam. Ainda não eram velhos, mas era cada vez mais inegável que a juventude estava ficando para trás. Ora, então o mesmo estava se passando comigo.
As pessoas não envelhecem por igual. Na meia idade, quando você olha para os lados, percebe que alguns parecem mais novos do que são, outros parecem ter a idade que têm e outros parecem mais velhos. Quando eu tinha 13, nem pensava nisso. Depois dos 42, já me perguntei algumas vezes: onde estou nessa régua?
Em seu sentido mais amplo, a aparência de alguém não envolve só o colágeno, o corte de cabelo, o estilo de roupa: é saúde, vigor físico e intelectual, vitalidade, disposição para aprender, abertura para viver num mundo tão diferente daquele onde nascemos e crescemos. E é também, talvez acima de tudo, o prazer de ser quem se é e de levar a vida que se leva. Esse me parece um dos prazeres mais preciosos que se pode cultivar em qualquer fase da vida – ou em nenhuma. Porém, a partir da meia idade, esse prazer vai ganhando um peso diferente.
Havia uma época na minha vida, vamos dizer de uns 20 e poucos aos 37 anos, que eu me olhava nas fotos e vídeos e me achava bonita – muito bonita, dependendo da foto ou vídeo. Era uma satisfação com a própria imagem que me envaidecia e me alegrava. Perto dos 40, essa satisfação foi ficando mais rara. Geralmente eu não me olho tanto, mas, quando olho, me acho no máximo ok. Não vou dizer que fico me martirizando, porque não fico, mas não posso – não quero – negar que minha autopercepção física mudou. Alguém pode dizer que cada beleza tem sua idade, e concordo, mas, quando você conhece alguém mais jovem e vê a pessoa na meia idade, ou mais adiante, na velhice, provavelmente vai achar que o auge daquela beleza já passou. E eu me conheci mais jovem. Agora, se isso precisa ser um fato triste ou deprimente, aí já é outra história. E talvez, no centro dessa história, ou no centro dessa relação do eu atual com os eus anteriores, esteja esse prazer maior: o prazer de ser quem se é e de levar a vida que se leva. Nos dias em que meu prazer de ser está mais aceso, me sinto inclusive mais bonita.
Tenho para mim, há alguns anos, que envelhecer bem significa muito mais do que parecer mais jovem do que se é, apesar de a maioria das pessoas achar bem desejável e agradável aparentar menos idade. Para mim, envelhecer bem tem a ver com aprender a arte de perder. Porque, quando estamos falando do prazer de ser quem se é e de levar a vida que se leva, essa “vida que se leva” inclui a vida presente, mas também a vida adiante, com seus planos, ansiedades, fantasias e esperanças, e a vida que ficou para trás – a própria história.
A partir de certa idade, você sente o peso de um percurso já vivido – e esse peso pode ser um fardo ou uma força. Experienciar, a partir da meia idade, o prazer de ser quem se é e de levar a vida que se leva, inclui o prazer de a história que se tem – de se reconhecer nela, de valorizar as alegrias vividas e de fazer as pazes com os próprios erros e os erros dos outros, de se apaziguar, de alguma forma, nesse encontro, às vezes tão difícil, entre o eu e o mundo.
Com o passar dos anos, você perde muito mais do que colágeno: você já perdeu alguns amores e amizades, viveu algumas decepções, experimentou algumas frustrações e passou por vários choques de realidade – e a realidade, como escreveu Rosa Montero, é uma boate barata vista à luz do dia. É claro que você certamente ganhou muitas coisas – pode ter ganhado mais sabedoria, mais conhecimento e autoconhecimento, pode estar desfrutando de solidões mais serenas, vínculos bem construídos, realizações e conquistas, e fazendo com muita vitalidade novos planos. Porém, você só vai conseguir aproveitar tudo que ganhou, se souber perder o que perdeu.
Curiosamente, é sabendo perder o que se perdeu que a idade pode significar muito mais do que uma série de perdas: é só assim que cada instante vivo pode continuar pulsando a vida de agora e a vida adiante.
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