Recentemente, um cara bateu no meu carro. Eu estava dirigindo na faixa do meio de uma avenida, esse motorista veio cruzar a avenida, resolveu ignorar a placa “Pare” que havia de frente para ele e bateu na minha porta. Fiquei um tempo parada dentro do carro, sem coragem de sair, porque vi que o cara estava gritando lá de dentro do carro dele, me chamando de idiota e daí para baixo. Vai que ele tinha uma arma? Um motociclista que viu tudo parou na minha frente e perguntou: “Você não vai lá falar com ele? A culpa foi dele, ele tem que pagar o conserto!”. Eu ia, calma, só precisava de um tempinho para me recuperar do susto, descastrofizar a situação e pensar melhor, com mais razão e também ouvindo a minha intuição. Bom, quando por fim saí do carro, o motorista vinha andando em minha direção e me culpando pelo acidente. Na cabeça dele, eu devia ter parado. Não adiantava falar que a preferência era a minha e que não era a vez dele de atravessar, ele continuou falando que eu tinha errado, que eu tinha que ter parado para ele, que ele faz aquele caminho há anos e nunca tinha batido etc.
Lembrei de anos atrás, quando eu estava dirigindo dentro do estacionamento do prédio onde eu trabalhava. Eu estava chegando para o trabalho e subindo devagar a pista do estacionamento, uma pista de mão dupla em espiral. De repente, vem uma motorista com tudo, descendo a pista numa velocidade tipo três vezes a permitida, cantando pneu e invadindo a minha pista, e bam! Bate de frente no meu carro. Mas não foi só isso: a motorista saiu do carro gritando comigo, me chamando de cega e por aí vai. Eu disse que tudo tinha sido filmado pelas câmeras de segurança e que ela ia ver que a causadora do acidente tinha sido ela, e aí que ela começou a se destemperar de vez, dizendo que eu era péssima motorista etc.
Os dois casos terminaram bem para o meu lado (o motorista do primeiro parágrafo acabou aceitando pagar o estrago que fez na minha porta, e a motorista do segundo parágrafo recebeu as imagens com o laudo culpando-a pelo acidente), mas me pegou o fato de ambos terem se achado cheios de razão.
Lembrei de uma vez em que eu estava na fila de uma lanchonete e uma mulher furou a fila na minha frente. Falei com toda a educação que aquele era o meu lugar, e ela começou a gritar, me chamando de estressada, de mandona, quem eu pensava que era?
Nos três casos, as pessoas estavam erradas e mesmo assim ficaram bravas, mais que bravas, indignadas. Tenho muitos defeitos, mas, quando sou eu que cometo a falha, fico morrendo de vergonha, peço desculpas até exageradas. Por exemplo, já furei fila sem querer, por distração, e morri de vergonha quando alguém me mostrou o que eu estava fazendo. Se eu tivesse deixado de parar na placa pare e batido no carro de alguém, ia ficar me martirizando pelo erro, pode apostar. Mas tem gente que não está nem aí e ainda reclama se o erro é descoberto ou se gera consequências. E isso não é tão incomum, pelo contrário: está cheio de gente assim. É pessimismo meu ou o número de pessoas assim só aumenta?
Para se proteger de passar muita raiva desnecessária para o nosso organismo, acho que o segredo é diminuir as expectativas em relação aos estranhos com quem cruzamos fora de casa. A outra pessoa pode ser legal, mas também pode ser uma idiota, pode ser razoável, mas pode ser irracional: melhor não esperar muito. Quando digo que a outra pessoa pode ser uma idiota, estou dizendo na superfície, claro: no fundo, as pessoas são complexas e têm lá suas razões primeiras. Porém, na rua, no dia a dia, o que a pessoa é na superfície é o que acaba contando: coisas como educação, gentileza, saber gerenciar a raiva e a frustração, esperar a vez e por aí vai.
É triste parar de esperar que as pessoas com quem cruzamos no dia a dia sejam razoáveis, mas talvez seja uma ponderação necessária para seguirmos mais ou menos bem. Daí para sair de casa esperando o pior dos outros é um passo, e um passo desnecessário.
Não quero me tornar essa pessoa que sai de casa esperando o pior dos outros, não quero e não vou. Até para me manter firme nesse propósito, tem dia que só ficando em casa mesmo.
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É engraçado como as pessoas (e sim, na maioria das vezes homens-héteros-brancos) se acham donos da razão quando não conseguem o que querem/na hora que querem. Podem até estar errados, mas ainda se acharão com "a razão" de xingar, ofender, gritar. Que bom que o motorista fez o PIX que devia, porque pelo visto ser sensato e pedir desculpas pelo erro DELE custava mais caro.
eu nunca espero nada de quem eu não conheço, mas não consigo deixar de ficar chocado quando elas não são razoáveis.