Já faz algumas semanas que decidi não ligar o celular quando estou na cozinha preparando meu café da manhã. Não sou de ligar o celular (leia-se: tirar do modo avião) na cama nem no banheiro, mas andava ligando assim que chegava à cozinha, e estava chato começar o dia assim, já vendo mensagens que eu ainda não ia responder, antecipando o dia de trabalho. Pois bem: dia desses, enquanto eu fervia a água para o café, me deu um estalo e falei: vou ligar o celular. Sem resistência alguma, concordei comigo mesma e liguei. E foi a melhor coisa.
Isso porque, três segundos depois, o telefone tocou. E era sobre uma encomenda que estava me gerando problemas há semanas. De repente o cara da entrega estava na portaria e, se eu não atendesse aquela hora para liberá-lo, não ia rolar. Pode isso?
Alguns minutos depois, já com a encomenda na mão, fiquei refletindo sobre o assunto.
Primeiro, fiquei feliz por não ter discutido comigo. Quando decidi ligar meu celular, teria sido fácil me criticar – “Aff, Lili, o que combinamos, hein? Nada de celular na cozinha, certo? Só mais tarde, né? Não vai ligar não senhora”. Não, não. Eu estava a fim de ligar, liguei. Porque, felizmente e às vezes infelizmente, não costumo ser tão dura comigo e, mesmo nos dias mais atarefados, costumo ter algum apreço ao meu ritmo interno. A verdade é que sou um tanto quanto avessa à excesso de rigor, e isso também vale para as regras que invento.
Liguei o celular porque tive uma intuição? Creio que sim. Pode ser místico, pode ser cerebral: uma parte desconhecida do meu cérebro, quem sabe aqueles 90% que dizem que a gente não usa, captou o campo eletromagnético do cara da encomenda na portaria? Vai saber. Só sei que foi ótimo. Fiquei grata a mim mesma.
E lembrei de um texto da Clarice, se não me engano uma carta, em que ela escreve mais ou menos assim: “Sou uma pessoa muito impulsiva. O resultado tem sido meio a meio. Às vezes dá certo, às vezes não.”
No dia a dia, acho que minha flexibilidade mais ajuda do que atrapalha. Por exemplo, é raro me ater 100% ao meu planejamento para aquele dia: prefiro ir improvisando, seguindo com exatidão aqui, afrouxando o laço ali, de acordo com o modo como me sinto e o que vai aparecendo no caminho.
Quando uma tarefa ou um encontro exige pontualidade, isso não vale: não sou de me atrasar nem deixar os outros esperando, é preciso dizer. Nesse caso, dou uma forçada para me encaixar no relógio do mundo. Mas evito me sobrecarregar demais. Em geral, busco ser mais poética nas circunstâncias em que não preciso ser tão exata.
Já para fazer origami e receitas que pedem muita técnica, ser assim já não é tão bom.
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rigidez demais faz a gente quebrar muito fácil no vento da imprevisibilidade. é preciso ter flexibilidade para levar uma vida mais tranquila.
Maravilhosa 🥰