Faz alguns anos, isso. Um amigo estava firme e forte num namoro pela primeira vez. Os dois animadíssimos, suspirantes, fazendo declarações, planos, tirando fotos e postando no Fotolog (eu disse que faz alguns anos). Até que o boy dele decidiu estudar um ano no Canadá (outro câmbio na época). Garantiu ao meu amigo que mandaria e-mail todo dia, telefonaria sempre que desse etc. Meu amigo sorriu e terminou tudo. "Mas como?", o boy perguntou. "E o nosso amor, os nossos planos? Sei que vai ser horrível ficar um ano longe, mas se a gente se ama! Ou você não me ama?"
– Eu amo ele, mas não o suficiente – meu amigo me contou no café, uns dias após o término. Estava muito seguro de sua decisão, curtindo seu latte macchiato. – Pra mim, funciona assim: eu posso amar alguém, mas, em caso de obstáculos, preciso ver se amo o suficiente.
– Como assim?
– Ué. Eu amava o Lu, mas não o suficiente para continuar com ele se ele resolve passar um ano fora, como foi o caso. Na hora que ele me falou da viagem, já percebi: puxa vida, não amo o suficiente para isso. Se eu amasse o suficiente, eu iria saber. No futuro, eu posso amar alguém, mas não o suficiente para me mudar de cidade pela pessoa, por exemplo. Posso amar alguém, mas não o suficiente para passar perrengue financeiro. Posso amar alguém, mas não o suficiente para aceitar conviver com os filhos chatos da pessoa.
– Mas gente, quando você ama, você ama aquele pacote completo...
– Não, minha filha, isso aí é idealização hétero. Eu sempre trabalho com a ideia de que o meu amor vai até certo ponto. Fico com a pessoa e vou descobrindo meus limites no caminho.
O tempo foi passando e fui começando e terminando alguns relacionamentos. Na maioria das vezes, ou em todas, meu amigo conseguiria encaixar nessa lógica o motivo dos rompimentos. Eu te amo, mas não o suficiente para aguentar seu mau humor e suas manias, chega! Eu te amo, mas não o suficiente para lidar com nosso descompasso sexual. Eu te amo, mas não o suficiente para continuar te amando nessa fase difícil. Eu te amo, mas não o suficiente para conviver com a sua família, que fica pegando no nosso pé.
Fiquei pensando. O amor humano é sempre imperfeito. Mesmo assim, pode ser bonito. Existem os amores mais bonitos e os amores mais mequetrefes. Amores que fazem bem para as partes envolvidas, ou o menos na maior parte do tempo, e amores que fazem mal, que nos desvitalizam. Amores que são muito importantes para a gente, amores mais banais. Amores que não fazem falta quando acabam, amor que queremos que durem. Amar o suficiente... Acontece.
Mas fiquei pensando em outra possibilidade.
Quando surge uma situação nova, por mais que a gente se prepare, não sabe como vai se sair. Como um atleta que vai dar um salto com vara numa altura nova. Subiram o sarrafo, o peito do atleta acelera. Ele olha, respira fundo, se posiciona, aquele medo de não dar o salto alto o suficiente, aquela concentração que encobre o medo... Então ele salta. Cai no colchão, olha para cima, o sarrafo está mesmo intacto, não é que ele deu conta?
É quando descobrimos que amávamos mais do que pensávamos. Acontece também.
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Seu amigo deve tá solteiro até hoje... ou talvez nunca pare com ng. porque todo mundo vai ter “porens” o tempo todo.
Amei! Fiquei (e sigo) repensando sobre o amor e seus limites. Um texto tão rico na sua simplicidade. :)