Legal no texto, chata pessoalmente
Nem sempre a pessoa que gosta de ler a gente vai com a nossa cara
Muitos anos atrás, praticamente em outra encarnação, numa época em que não existia smartphone nem redes sociais, eu trabalhava na revista Capricho como colunista e editora-assistente e estava participando de um encontro com leitoras.
Aquelas meninas só me conheciam pela palavra escrita: liam minha coluna publicada na revista, acompanhavam meu blog, tinham lido meu livro O Diário de Débora. Elas adoravam ou meu blog, ou minha coluna, ou meu livro, ou as três coisas, e por isso estavam ali. O lugar do nosso encontro não tinha nada de glamouroso, uma sala toda bege com uma longa mesa bege e vista para o rio Pinheiros no então prédio da Editora Abril. Estávamos comendo biscoitos e pão de queijo e tomando Coca-Cola enquanto falávamos sobre assuntos relacionados ao mundo adolescente, meio bate-papo, meio pesquisa. Bom. No final do encontro, quando algumas meninas já tinham deixado a sala e outras estavam se despedindo, me aproximei de uma que tinha passado o tempo todo mais caladinha.
– E aí, gostou do encontro?
– Arram! – ela disse, fazendo que sim com a cabeça. – Mas tudo bem diferente do que eu imaginava!
– É mesmo? A editora, você diz? – perguntei, já sabendo que geralmente rolava uma decepção quando as leitoras conheciam o andar onde ficava a redação. A revista era supercolorida e moderninha, mas a gente trabalhava num escritório comum, e muitas visitantes esperavam outra coisa, talvez balões e cupcakes caindo do teto.
– A editora... E você – ela respondeu.
– Hahaha, eu? Como você achava que eu seria?
– Ah, não sei... Eu esperava mais, sabe? Sua coluna é tão legal, eu esperava mais de você, esperava que você fosse superlegal.
Eu devo ter feito uma cara de "Como assim você não me achou legal?". Ela ficou olhando para mim, disse "Bom, vou indo" e foi. Eu me senti péssima. Com vontade se ser legal como a coluna que eu escrevia.
Hoje, dezessete anos depois, ainda lembro dessa leitora (ex-leitora?) quando encontro alguém que leu meu livro O mundo que habita em nós, Ela queria amar, mas estava armada, ou então que ouve meu podcast ou me segue no Insta, ou me lia naquela época da Capricho. Às vezes, sinto que a pessoa conheceu uma eu que é mais ou menos como ela esperava. Mas às vezes, talvez na maioria das vezes, sinto que ela esperava que eu fosse mais extrovertida, mais animada, algo assim.
Umas seis vezes por ano, acontece de um leitor e/ou seguidor me dar oi na rua. Nessas ocasiões, acho que sou zero solar, carismática, marcante. Sou meio sem-graça, eu acho. Embora não tenha o costume de ficar pensando muito nesse assunto, às vezes passa pela minha cabeça isto: que eu poderia ter sido mais solar etc. Não sei se foi um trauma causado pela leitora extra-sincera ou se é apenas porque nessas situações fico meio tímida, sem saber o que dizer.
Tenho basicamente dois jeitos de ser quando converso com alguém que não conheço: ou eu atuo como uma pessoa super extrovertida e falo: "Ooooi, queridaaaa!" ou fico no meu eu mais natural e falo: "Oiê, ah, que legal". Depende do dia e, sinceramente, acho que nenhuma das opções é muito boa, mas são meus dois jeitos nessas ocasiões. Mesmo assim, gosto de ser abordada por leitores/seguidores. Me sinto super querida, me sinto famosa haha. Por mim, eu poderia ser abordada pelo menos dez vezes por ano. Mesmo que minha reação seja sem gracinha.
Quando dou aula, fico bem mais à vontade. Nem preciso atuar como extrovertida, tenho uma personalidade professora já bem assentada em mim, que funciona geralmente bem, extrovertida sem ser forçada. Quando dou aula, fico concentrada, empenhada em ser útil, isso acaba ficando em primeiro plano.
Por que estou escrevendo sobre isso? Ah, porque outro dia lembrei de uma entrevista com uma atriz de cinema que contou que uma vez uma fã a viu na rua e disse que esperava que ela fosse mais bonita pessoalmente. Não lembro quem era a atriz, só lembro dessa fala, minha memória anda péssima, o baby Vi está para fazer nove meses e acho que ainda estou passando pelo tal do baby brain. A entrevistadora, ou seria um entrevistador, perguntou se a atriz ficou triste com o comentário da fã e ela respondeu: se eu tiver de escolher entre parecer bonita pessoalmente ou na tela do cinema, prefiro na tela do cinema.
Se eu tiver de escolher entre parecer encantadora, legal, inteligente, qualquer coisa assim positiva, pessoalmente ou na palavra escrita, prefiro na palavra escrita.
Olá, não estou conseguindo mudar para a assinatura paga com meu cartão da NuBank :(
Achei ótimo esse texto... a gente tem o eu que escreve, que se coloca no mundo pelas palavras, através do nosso ofício, e tem o eu do dia a dia, da intimidade, das relações sociais, né. Eu sou assim bem mais introspectiva e acho que bem meio sem graça, como você disse haha. Faz parte. Beijos, Lili!