O que eu aprendi com Arnold Schwarzenegger
Falar, falar e continuar falando sobre as próprias dores é mesmo o melhor jeito de curá-las?
Reconhecer as próprias inseguranças, reconhecer a própria vulnerabilidade, a tristeza que se sente, a angústia que se sente, a ansiedade. Não se fingir de forte, não sair passando por cima dos próprios sentimentos, não achar que as emoções não estão lá: olhar para elas, aceitá-las, acolhê-las. Acho que qualquer pessoa com o mínimo de autoconhecimento sabe disso. E muitas, inclusive, falam sobre isso: para o terapeuta, para os amigos, para o diário, ou até mesmo para os Stories. Agora eu te pergunto: o quanto devemos falar sobre isso? Pensar sobre isso? Transformar essas questões no tema da nossa vida e no assunto do nosso monólogo interior?
Isso me veio à mente depois de assistir ao ótimo documentário sobre o Schwarzenegger na Netflix. Muito bem-feito e gostoso de ver, o doc conta em três episódios a trajetória muito particular e fascinante de Schwarzenegger como fisiculturista, ator e político.
Em vários momentos e de um jeito muito franco e direto, Schwarzenegger fala sobre como nunca deu muita bola para tristezas pelas quais passou, inclusive o falecimento do seu pai e do seu irmão, além dos episódios tristes de sua infância. Ele conta como foi passando por cima de tudo como um trator, porque o que o interessava era seu objetivo do momento, e quando se tem um objetivo claro, você não perde muito tempo olhando para os lados. Em determinado momento, ele diz algo como: "Eu não perdia meu tempo pensando: como estou me sentindo? Por que estou triste? Nada disso."
Não é que ele não reconhecesse suas inseguranças. Tem um momento do documentário em que ele fala rapidamente que tinha síndrome do impostor: embora cuidasse para não demonstrar sua insegurança em público, sozinho no quarto ele tinha momentos em que duvidava de si mesmo. Ele também experimentava momentos de muita tristeza e frustração quando não atingia um objetivo. Mas, como afirma em vários momentos, ele não perdia muito tempo chorando essas e outras dores.
INQUIETUDES é uma publicação 100% independente. Adoro escrever aqui e acredito muito neste formato, mas estar aqui me demanda tempo, energia e repertório. Para tornar este projeto viável, venho contando com o apoio de assinantes pagos. Eles recebem um texto exclusivo aos domingos - e receberão também outros conteúdos exclusivos que estou planejando conforme a Newsletter for crescendo. Se meus textos acrescentam de alguma maneira à sua vida, ficarei feliz se você puder considerar se tornar um assinante pago. Custa só 25 reais por mês e faz muita diferença para mim. Obrigada a todos vocês!
Resumindo: ao longo da vida, Schwarzenegger foi privilegiando suas ações e seus planos em detrimento de suas questões existenciais e emocionais. Alguém pragmático, como ele mesmo diz.
Longe de mim querer falar que Schwarzenegger sabe como viver e nós que gostamos de mergulhar no nosso mundo interior não sabemos (supondo que você seja mais parecida comigo do que com ele). As pessoas são diferentes, têm jeitos de ser diferentes, e o próprio Schwarzenegger reconhece isso quando se refere ao seu irmão, que ele enxerga como alguém mais sensível. Além disso, as pessoas têm objetivos diferentes e noções diferentes do que é ser bem-sucedido, e não é todo mundo que pretende ser fisiculturista, investidor de imóveis milionário, estrela de cinema e governador. Enxergo o protagonista do documentário como alguém com muita ambição e diligência, alguém muito apaixonado pela grandiosidade em suas manifestações mais mundanas (fama, dinheiro, poder) e que foi dirigindo sua vida para alcançar esses objetivos que tanto o seduziam.
Além disso, Schwarzenegger é alguém que “venceu” das maneiras que o interessavam porque, além de outros fatores internos e externos, ele se concentrava muito mais nas suas forças do que nas suas fraquezas. Quando ele quis ser uma estrela de cinema, não é que ele foi atrás de papéis do Dustin Hoffmann ou do Al Pacino, atores talentosíssimos e de sucesso, mas que não teriam sido escolhidos para interpretar o Conan. Ele foi atrás do Conan, do Exterminador, de papéis nos quais ele podia expressar seus pontos fortes. Imagine se ele tivesse ficado chorando em casa, triste porque não era como Al Pacino?
O que eu fiquei pensando e queria dividir com vocês é isto aqui: olhar para as próprias vulnerabilidades, para as próprias inseguranças, para as próprias dores é libertador, mas também pode ser o contrário: pode ser aprisionador se a gente cai na armadilha de ficar focado demais nisso.
Tem um texto do psicanalista Contardo Calligaris, alguém que sem dúvida pensava muito sobre as emoções e sobre a vida interior, em que ele escreve o seguinte: "Recentemente, uma jovem, por quem tenho estima e carinho, confiava-me sua dor pela separação que ela estava vivendo. Ao escutá-la, eu pensava que expressar seus sentimentos devia ser, para ela, um alívio, mas que, de uma certa forma, seria melhor se ela não falasse. Por quê? Justamente, era como se a falta do namorado (de quem ela tinha se separado por várias e boas razões), a sensação de perda etc. fossem intensificadas por suas palavras, e talvez mais que intensificadas: produzidas." Ele continua o texto explicando por que o ideal dele de amor é mais contido, mais pudico, com menos palavras.
Voltando à questão do autoconhecimento e ao documentário sobre o Schwarzenegger, pergunto: numa sociedade tão verborrágica como a nossa, o quanto as palavras têm nos libertado dos nossos dramas interiores e o quanto elas têm reforçado essses dramas?
Temos ficado atentos para a quantidade exagerada de caracteres, de labirintos racionais e ruas sem saída quando falamos de nós, seja para o outro, seja para nós mesmos?
Todo mundo conhece alguém que se separou há anos, ou que brigou com alguém há anos, ou que se resentiu de uma coisa há anos e continua falando disso, falando, falando, falando. Ou alguém que tem alguma dificuldade, "sou muito ansioso", "sou muito isso e aquilo", e fica pensando nisso e falando disso o tempo todo. Falar, falar e continuar falando sobre as próprias dores, fragilidades e dificuldades é mesmo o melhor jeito de curá-las? Ou às vezes o excesso de palavras faz com que aquela dor não passe nunca?
Quem diria que vendo o documentário do Schwarzenegger eu lembraria de Mario Quintana - os rios são tristes porque não sabem parar...
oi liliane! estou lendo a coragem de ser imperfeito, da brené brown, e ela fala sobre a importância da gente falar sobre as nossas vergonhas, medos e traumas, porque, quanto mais a gente falar, mais fácil de lidar será. o que é estranho pra mim, porque ouço minha mãe falar das mesmas questões há anos e até hoje não se resolveu. não sei se a brené vai falar mais sobre ao longo do livro porque ainda estou no começo, mas levanto a mesma questão que o seu texto e penso que talvez há um jeito certo de falar sobre? qual seria?.
talvez no fim a vida é sobre equilibrios, né, colocar pra fora os problemas e seguir em frente focando nos objetivos como o arnold.
Lili, que texto maravilhoso. Caiu como uma luva. Venho refletindo muito, ouvindo, falando, conversando sobre a crônica do fim da crônica, você deve ter lido por aí. Pois então, eu venho pensando que inclusive as crônicas em geral (que caem na minha bolha, que fique claro) estão abarrotadas de problematizações e dando voltas em si mesmas, mas sem grandes perspectivas, sem bom-humor, sem uma amplitude aprazível sobre o tema, sabe? O que deixa o leitor cansado. Dito isso, leio esse seu texto que só faz reforçar essa ideia. Também produzo uma newsletter que, por vezes, gira em torno de parte da minha vida, mas já sou tão abarrotada de problemas e responsabilidades e exaustão, que na escrita tenho tentado me aproximar da leveza. E digo leveza mesmo em temas complexos, como o brilhante livro da Vivian Gornick, por exemplo.
Vou ver o doc, deve ser bem interessante.
"Falar, falar e continuar falando sobre as próprias dores, fragilidades e dificuldades é mesmo o melhor jeito de curá-las? Ou às vezes o excesso de palavras faz com que aquela dor não passe nunca?" - é isso!!!