Quando foi que o entusiasmo começou a virar crise de ansiedade? Por exemplo: você finalmente compra as passagens para aquela viagem tão sonhada numa praia paradisíaca. Num primeiro momento você fica feliz, mas logo a sensação boa é substituída por pensamentos como: e se chover? E se o voo for cancelado? E se eu pegar dengue e não puder viajar? E se, e se, e se? Pronto: o frio bom na barriga se transforma numa refeição indigesta, e a alegria da espera vira pressa, vontade de se teletransportar, apertar um botão para chegar logo o dia do que você quer fazer e, ufa, dar tudo certo.
Quando eu era adolescente e estava sofrendo por uma festa, minha mãe dizia: lembre-se, o melhor da festa é esperar por ela. Em outras palavras: curta a espera. E eu acabava curtindo, mesmo: a escolha da roupa, o papo com as amigas, as expectativas do que ia rolar no dia, as historinhas mentais que eu criava. Lembro que uma vez fiz um calendário ilustrado para a contagem regressiva para uma viagem, e cada dia riscado era uma alegria, sinal de que o grande dia estava ficando mais perto! Esperar não era uma aflição tensa; se era uma aflição, era do tipo deliciosa.
Mas parece que o excesso de tempo no ambiente digital descompensou nossa habilidade de esperar sem surtar e, em vez de, por exemplo, curtir a espera para o encontro com aquela pessoa de quem estamos tão a fim, ficamos mergulhados em nervosismo e pessimismo: e se a pessoa desmarcar? E se eu acordar gripada no dia? E se chover e a cidade alagar? Porque sim, além das nossas emoções estarem em desequilíbrio, infelizmente o clima também está.
A ansiedade ganha rapidamente dimensões catastróficas na cabeça de quem tem muita imaginação, e isso não é de hoje. Lembro do livro Grandes Esperanças, do Charles Dickens, quando o protagonista Pip estava de mudança para Londres. Nos dias que antecediam a viagem, Pip começou a ser atormentado por pesadelos: e se tudo der errado? E se a mudança não puder acontecer por algum motivo? Por exemplo: e se Londres afundar?
“E se Londres afundar?” virou meme na época nas conversas com uma amiga que também tinha lido o livro. Era uma fase anterior ao celular e aos memes, mas a gente se conectou perfeitamente com a sensação do Pip. Lá no século 19, ele vivia loucuras próprias daquela época, e não as loucuras de hoje, essas de que eu e você estamos cansados - mas a ansiedade é a mesma, não é?
Se bem que… Pip era muito jovem, não lembro a idade dele, mas era adolescente e, claro, a adolescência é uma fase envolvida por ansiedade. Se, na adolescência, eu tinha tanta dificuldade de esperar como o Pip, mesmo a gente vivendo a mais de um século de distância, imagino que os adultos com quem Pip convivia fossem mais calmos do que os de hoje – ou, ao menos, que os adultos bem conectados de hoje. Como as redes sociais meio que prenderam todo mundo na fase da adolescência, com excesso de comparação com os outros, crise permanente de identidade, vontade de se exibir para os outros e de ser aceito e ser popular etc, a gente muitas vezes não passa para uma maior tranquilidade na fase adulta: ficamos, como Pip, com medo de Londres afundar, mas não porque somos adolescentes ansiosos, e sim porque estamos vivendo nos dias de hoje, nestes tempos de excesso digital.
Para remar contra a maré, haja força de ser. É preciso apostar na alegria, nos cenários favoráveis, nos bons desfechos. Parar no meio do dia, lembrar da viagem e sorrir. Pensar no futuro com carinho, esperança e planos. Lembrar do jantar à noite e sentir um morno bom no coração. Se apaziguar um pouco. Desfrutar as coisas boas que acontecem – sim, elas também acontecem. A leveza descomplicada também existe.
Eu quis amar, mas tive medo/E quis salvar meu coração/Mas o amor guarda um segredo/O medo pode matar o seu coração...
Desfrutar é um jeito de amar: amar a vida.
A Era da Instantaneidade. Imagina essa galera fotografando com filme fotográfico? Você tirava uma, no máximo duas fotos da paisagem - porque o filme era caro -, precisava esperar o rolo terminar antes de mandar no laboratório, que antigamente levava de três a cinco dias para fazer a revelação e só então você ia ver a foto da viagem.
por que a gente se atormenta com tantos “e se”, né? às vezes, é só relaxar e aproveitar!